História da nossa Quinta

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O velho Nelson sorri quando olha, de longe, “O Velho Sobral”, como quem olha o cordão umbilical de um filho muito desejado no final de um parto. Lá, onde tudo começou, as uvas sempre foram especiais. Mereciam mais do que o destino da cooperativa. Mereciam ser “senhoras do seu nariz”, donas da sua casa, rainhas no seu reino. E aquelas manchas de terra, o velho Nelson conhecia-lhes bem o seu segredo. “Santar não é um acaso. Santar é capricho de Deus. E estas manchas de terra foram beijadas por Ele também.” De facto, era impossível negar a excecionalidade daquele terroir, situado em plena planície repousada entre a Estrela e o Caramulo e que brincava às escondidas com os pinheiros envolventes. A terra dali nada tinha de banal. Um dia, o destino haveria de vir reclamar-lhe uma história de vinho parido de terra sua.

E assim foi. O destino chegou e trazia nas mãos abertas de oportunidades as mãos vincadas de vontade da filha Cristina. E Nelson sorriu. Não era segredo para ninguém a relação entre os dois. Se Nelson era cepa, Cristina era sarmento. Se Nelson era o instante, Cristina era o momento. E, por isso, era inevitável que a Quinta do Sobral trouxesse Cristina agarrada às suas saias.

A avó Maria Deolinda era grande responsável também por Cristina pisar aquele chão como terra santa. A infância e juventude de Cristina junto da avó, das vinhas, dos animais e das tarefas de quem trata da terra por tu teve enorme influência no seu final feliz. 

Cristina sempre soube de cor o amor do pai por aquela terra e um amor não se vende, não se adia, não se deita fora. Para Cristina, o futuro não era ser professora. Para Cristina, o futuro era ser a neta da Maria Deolinda, a filha do velho Nelson e o destino da quinta. O futuro, para Cristina, era cada vindima, cada pisa, cada estágio, cada garrafa.

E assim foi. Cristina arregaçou as mangas da camisa, arrancou-lhes os folhos e as rendas de menina que atrapalham os modos, quando se precisa de crescer. Calçou galochas ou descalçou os pés, conforme a terra lhe pedia. Subiu às empilhadoras dos homens, desceu às profundezas das contas de tesouraria. Acarinhou os calos que lhe trouxeram os dias da lavoura e as rugas que lhe trouxeram as noites de preocupação. E hoje, quando olha “o Velho Sobral” com o velho Nelson sabe que o futuro esteve sempre paciente à espera de a ver chegar. 

Da nobreza das terras da Quinta do Sobral, Cristina fez-se princesa. E o príncipe que era o dela não tardaria a chegar. Foi tudo obra do Verão que combinou com o Calor, com a Festa e com a Música um certo baile predestinado a fazer namorar os dois. Jorge morava em Inglaterra desde os 7 anos. Filho da região, era também filho de emigrantes que o levaram a crescer em terras de Sua Majestade. Gostava de regressar a Portugal todos os verões para recordar os cheiros da Beira, os ventos das serras e as caminhadas até ao rio. Mas naquele verão feito baile, Jorge pousou o olhar em Cristina e teve tanta certeza que era ali que se repousava o coração, que percorreu os bailes todos que o verão tinha preparado para os dois se reverem, até a rever as vezes todas que o seu coração precisava para acalmar. Mas Jorge já não ia para dançar. Quando chegava lá bem dentro do baile, onde a Festa e a Música se confundiam numa só, Jorge já só queria namorar.

E assim fez. No final daquele verão destinado a ser dos dois, Jorge e Cristina já eram uma espécie de “para sempre”.

Jorge deixou a gestão hoteleira que lhe garantia o sustento confortável de Inglaterra para abraçar Cristina, a Quinta do Sobral e o Velho Nelson no conforto genuíno de Portugal.

A Quinta do Sobral cresceu a três. Ao amor e coragem inabaláveis de Cristina, aliou-se a sabedoria gestora de Jorge. E lá para os lado d’”O velho Sobral”, onde tudo começou, o velho Nelson sorriu.

Mas o destino tinha mais planos para a Quinta do Sobral e havia guardado na algibeira mais generosa o melhor futuro que a quinta podia ter sonhado ter. Cristina rezou muito. Tanto, que soube antes de saber a filha que ia ter. Havia de ser Maria Deolinda como a avó e ter dela mais do que o nome. Ter as feições, o amor a Santar, à vinha e a Nelson. De tanto a rezar assim, Maria nasceu exatamente como Cristina a concebeu e, ainda de cordão umbilical por cortar, já Maria cheirava o mundo que, um dia, havia de querer salvar.

Maria cresceu na quinta, rodeada de vinhas, de animais e de vinho e depressa se misturou neles até fazer parte da mesma aguarela. Tinha, desde bebé, um nariz irrequieto que cresceu com pressa de definir os vinhos e desde os 8 anos que via às claras as provas cegas onde eles se escondiam. Mas Cristina havia rezado tanto este cordão umbilical que ele depressa tomou conta da Quinta do Sobral. Maria, agora com 13 anos, acompanha todo o processo da quinta. Tem uma enxada com o tamanho certo das suas mãos e conhece a terra como se tivesse nascido de dentro dela. Não deixa vinho nenhum entrar na garrafa sem o provar e faz questão de ser vista, ouvida e considerada pelos clientes que visitam a quinta.

Um dia, quer ser enóloga. E cozinheira. E produtora. E empresária. E filha. E neta. Sim, para sempre, neta. O laço umbilical com o avô faz lembrar o da mãe. E juntos, de mãos dadas pela quinta, Maria projeta com um avô imortal um futuro a 20, 30, 50 anos para a Quinta do Sobral, sem saber que foi o futuro que a projetou a ela.

“Não, avô! Não as cortes! Eu quero-as para mim!”, reclamou Maria com o avô, quando ele quis cortar umas pequenas vinhas velhas para dar palco a vinhas novas. Nelson foi incapaz de contrariar o seu olhar magoado. E deu-lhas -  sem saber que o futuro sempre soubera que seria ela – a neta – a legítima dona do seu vinho mais premiado.

O vinho Vinha da Neta é Maria. E Maria é a avó Deolinda de enxada na mão, o avô Nelson a pisar, a Mãe Cristina a guardar o Amor e o Pai Jorge a proteger o seu baile de verão. N’”O Velho Sobral”, Maria é o mais belo por do sol a nascer. E é por isso que o velho Nelson sorri sempre que olha O Velho Sobral.

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